Pai da Nouvelle Vague, a revolucionária onda que mudou o cinema por uma proposta crítica e comprometida na década de 1960, o cineasta Jean-Luc Godard completa 80 anos nesta sexta-feira (3), ligado a uma visão particular do cinema e da vida.
Poucos meses depois que seu último filme, "Filme Socialismo", chegou às telas de alguns países ? a estreia no Brasil acontece hoje ?, o cineasta franco-suíço não se esquivou das polêmicas. Acusado de "antissemita" nos Estados Unidos, Godard se negou no mês passado a receber o Oscar oferecido por Hollywood pelo conjunto de sua carreira, "magoado" porque a imprensa norte-americana reprovou sua postura "muito pró-palestina".
Autor de "Acossado" (1960), considerado o filme fundador da Nouvelle Vague, Godard abriu as portas para uma nova maneira de se fazer cinema. Filho de uma família da burguesia franco-suíça, nasceu em Paris durante a Segunda Guerra Mundial. Educado na França, acabou os estudos de Etnologia, mas logo trocou pelo cinema, primeiro como crítico da revista Cahiers du Cinema, até que passou para o outro lado da barreira.
O sucesso que "Acossado" teve entre público e crítica em 1959, com sua narrativa diferente e constantes mudanças de direção, deu a largada para uma geração que estava ansiosa por revolucionar os modelos da época. "O que eu queria era partir de uma história convencional e refazer, de forma diferente, todo o cinema que jà havia sido feito", assegurou, então, Godard. Segundo um dos ex-diretores da Cahiers du Cinema, Jean-Michel Frodon, nos anos 1950 reinava "um extraordinário amor pelos filmes e um espírito de rebelião contra a impressão de conformismo que deixava no cinema francês".
François Truffaut, Éric Rohmer e Claude Chabrol moldaram a corrente para transformá-la em um fenômeno que ultrapassou fronteiras e se instalou de forma duradoura. Depois vieram os filmes "Uma Mulher é Uma Mulher" (1961), "O Pequeno Soldado" (1963) e "Bande à Part" (1964), entre muitas outras obras que completam sua ampla filmografia.
Godard nunca se esquivou do papel de líder, de cabeça visível dos jovens que queriam mudar o estilo da época. No turbulento mês de maio de 1968, enquanto os estudantes marchavam nas ruas de Paris, Godard liderou o movimento que levou o protesto contra o sistema a Cannes. O diretor viveu uma história de amor e ódio com o festival. Apesar de suas seis indicações, nunca ganhou uma Palma de Ouro.
Em março, depois de anunciado seu retorno à Croisette para apresentar "Filme Socialismo", o diretor cancelou sua participação no último minuto, vítima de um misterioso "mal grego". "Com o festival irei até a morte, mas não darei um passo mais", disse o cineasta em uma carta, alimentando os rumores sobre seu estado de saúde. No entanto, para alguns não foi mais que um desprezo ao tapete vermelho, ao glamour que sempre combateu em sua vida e em seus filmes.
Godard foi um diretor comprometido com uma certa ideia política, uma esquerda tão particular como sua obra. "A Chinesa" e "Week-end à Francesa" são exemplos de sua particular visão da luta do proletariado. Nos anos 1970 viajou pelo mundo, seguiu brigando com o sistema, rodou filmes que se negou a estrear, como "One American Movie" e "British Sounds", e começou a experimentar com o video.
Voltou-se para um cinema mais comercial nos anos 1980, onde se reencontrou com atores de renome, mas sem nunca renunciar à polêmica. E, depois de um período, retornou ao cinema experimental no final do século passado, com obras como "Elogio do Amor". Quentin Tarantino homenageou o diretor batizando sua produtora de "Bande à Part". Tão alheio à polêmica que provoca como ao entusiasmo que gera, Godard segue na crista da "Nova Onda" que ajudou a criar.
O diretor afirma que decidiu se instalar na cidade suíça de Rolle Waadt 30 anos com sua companheira Anne-Marie Miéville porque é um lugar "qualquer". "As pessoas o deixam tranquilo. Ele tem seus hábitos, passeia com o cachorro, vai ao café na rua principal, compra seu jornal, seus cigarros. É alguém muito simples", descreve Frodon.
IG