Walt Disney e até o venerável Will Eisner se meteram nessa história de propaganda patriótica. Mas ninguém foi tão longe no esforço de guerra quanto o Capitão América, criado em 1941 pela Marvel Comics, e que já no seu primeiro número aparecia dando um soco no queixo de Hitler. Os americanos sempre usaram seus heróis dos comics para reforçar campanhas, cientes da força simbólica desses personagens. Raro é tirarem algum deles de campo, como aconteceu na semana passada com o Capitão América, morto por um franco-atirador no momento em que era levado a uma audiência na Corte Federal em Nova York (note bem: não foi um terrorista com uma bomba, mas um "sniper", do mesmo tipo que matou John Kennedy).
Trata-se de um personagem que veste a bandeira americana. Nada poderia ser mais explícito. Tem um A enorme na testa. Fruto dos esforços militares do desenvolvimento químico de um supersoldado (submeteu-se, quando no front, a uma injeção misteriosa), o capitão sempre foi um herói intervencionista, combatendo, espancando e eliminando inimigos diplomáticos dos Estados Unidos por onde quer que passasse.
MARKETING
No mundo dos comics, são comuns golpes de marketing desse tipo - "assassina-se" um personagem envelhecido, para que ele possa ressurgir mais humanizado e tenha o interesse renovado mais adiante. Foi assim que, em 1993, fizeram o gibi "A Morte do Super-Homem" - e o homem de aço, como todos sabemos, continua voando por aí.
Mas a morte do Capitão América, embora os editores da Marvel neguem, parece conectar-se ao crescente desencantamento com essa estratégia americana de Xerife do Universo.
Seria o caso de um repórter do tipo Borat perguntar ao presidente George W. Bush, de visita aqui, se - com um pouco de academia - Condoleezza poderia usar aquela malha e substituir o Capitão América.
Por outro lado, há uma leitura menos otimista nessa morte do supersoldado. Segundo Joe Quesada, da Marvel Comics, ele foi assassinado justamente porque cometeu o maior erro que um soldado pode cometer: insubordinação. O Capitão, alter ego de Steve Rogers, opôs-se vigorosamente a um ato do governo que exige o registro de todos os super-heróis em atividade, o que o colocou em rota de colisão com a lei & a ordem (lemas que ele defendeu por 66 anos).
Quesada disse que a morte do Capitão América já vinha se anunciando havia 18 meses, e não teria nada a ver com queda nas vendas de seu gibi (vendeu 210 milhões de cópias em 70 países). "A história estava nos levando até aqui", afirmou.
A Marvel Comics sempre foi exportadora de simbologia e ideologia Em 2006, mandou imprimir mais de 1 milhão de cópias do gibi "Salute Our Troops", destinado a levantar o moral das Forças Armadas no Iraque. "Salute Our Troops" incluía o Capitão América o Quarteto Fantástico e os Vingadores. Os "heróis", personificados por atores de carne e osso, até se reuniram com o então secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, para surgir triunfalistas em programas de TV e jornais.
Na época, Alan Fine, presidente da Marvel Toys & Publishing, agradeceu ao "cliente", o Departamento de Estado: "Nós achamos que essa (soldados no front) é a platéia mais apropriada para se divertir com a ação e a aventura de nossos super-heróis - pessoas reais que fazem sacrifícios todo dia para proteger os direitos e a democracia que todos abraçamos".
Em Nova York, Joe Quesada filosofou: "Como será o mundo sem o Capitão América?" Bom, nós já sabemos como tem sido o mundo com ele e não parece grande coisa.
Estadão