A HISTÓRIA DA VALE DO RIO DOCE
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Relato sobre a Companhia de mineração que foi patrimônio do povo brasileiro
Maria Stela Faria de Amorim & Francisco de Assis 2019-01-30 |
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Empresa criada em 1º de junho de 1942 pelo Decreto-Lei n.º 4.352, tendo como acionista principal o governo federal. Constituída em 11 de janeiro de 1943 no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, funcionou como empresa estatal até 6 de maio de 1997, quando foi privatizada. Segunda maior companhia mineradora do mundo, adotou a marca Vale em 2007. Deixou de utilizar a sigla CVRD, mantendo a razão social original.
ANTECEDENTES
A pesquisa e exploração mineral foram atividades realizadas no Brasil desde os primórdios da conquista e da colonização portuguesa, especialmente no que se refere aos metais preciosos e diamantes. A mineração do ouro e dos diamantes teve seu auge na primeira metade do século XVIII, mantendo-se em ritmo mais lento e com baixa produtividade até meados do século XX, quando novas tecnologias, a localização de novas jazidas e a iniciativa estatal tornaram possível a retomada e a expansão da atividade mineradora de ouro, do ferro e de outros minerais.
Durante todo o período colonial e imperial, o regime de exploração em vigor foi o de concessão, ou seja, o Reino português e depois o Império Brasileiro detinham o domínio sobre as riquezas do subsolo, estando assegurada a separação entre a propriedade territorial e a propriedade mineral, ficando esta última dependente de concessão estatal.
A instauração da República provocou uma modificação radical no regime de exploração dos recursos minerais, passando a vigorar o regime de acessão pelo qual a propriedade mineral era vinculada à propriedade territorial. A mudança no regime de propriedade do subsolo suscitou grande reação por parte de técnicos, parlamentares e estudiosos que afirmavam que, contrariamente ao pretendido com a referida modificação, a exploração mineral sofreria um retrocesso, uma vez que ficaria totalmente subordinada aos interesses particulares dos proprietários das terras. Este prognóstico se confirmou ao longo de toda a Primeira República. Pequena foi a produção mineral, voltada eminentemente para o mercado interno, e incipientes as exportações, representando um percentual que variou entre 1% e 2,5% do total das exportações brasileiras no período de 1901 a 1930.
No que tange ao mercado interno, o carvão-de-pedra e o minério de ferro foram os produtos mais significativos, sendo que a exploração deste último provocou uma das maiores polêmicas do período republicano, contrapondo, de um lado, aqueles que defendiam a livre exploração do subsolo, sem nenhuma limitação ou exigência por parte do Estado, e, de outro lado, aqueles que lutavam pelo desenvolvimento industrial do país para o qual o minério de ferro era um mineral estratégico que não poderia ser exportado livremente por empresas estrangeiras.
A exploração do minério de ferro foi realizada desde a época colonial por escravos, em Minas Gerais, para a produção, em pequenas fundições, de ferramentas rudimentares utilizadas na agricultura e extração de ouro e diamantes, bem como ferraduras para os animais de transporte. Experiências de maior porte foram realizadas pelo Intendente Câmara e pelo barão von Eschwege, em Minas Gerais, e por Frederico Luís Guilherme de Varnhagen, em São Paulo, no início de século XIX, decorrentes de iniciativas de D. João. Destas fábricas oficiais de ferro do período joanino, sobreviveu apenas a de São João do Ipanema, em São Paulo, mantida mais por motivos estratégicos que econômicos. Surgiram, no entanto, pequenas fundições que, produzindo em pequena escala para o mercado regional e para suprir as necessidades da mineração aurífera, promoveram o desenvolvimento da exploração das jazidas ferríferas.
No início do século XX, diversos estudos e levantamentos, baseados em conhecimentos técnicos mais aprofundados, confirmaram a existência de grandes depósitos de minério de ferro no Brasil. Sua exploração ficava dificultada, no entanto, pela localização das jazidas, no interior de Minas Gerais e em Mato Grosso, em regiões de difícil acesso, na medida em que não existiam vias de transporte ligando essas áreas aos centros consumidores e aos portos no litoral. As reservas brasileiras de minério de ferro tornaram-se de conhecimento público, internacionalmente, durante o Congresso de Estocolmo, em 1910, sendo que as principais jazidas de Minas Gerais foram adquiridas pelo Brazilian Hematite Syndicate, constituído por capitais ingleses, ainda em 1910. O sistema de acessão então em vigor facilitou a transação na medida em que as terras tinham valor muito baixo por serem de praticamente nenhuma utilidade para a agricultura. No entanto, a propriedade do subsolo vinha acoplada à do solo o que possibilitou ao grupo inglês apoderar-se das reservas por valores irrisórios.
A ação do grupo inglês dirigiu-se, então, para a ampliação de sua participação na Companhia Estrada de Ferro Vitória a Minas, constituída em 1902 para fazer a ligação entre Diamantina e o porto de Vitória. Isto feito e autorizada a modificação do trajeto da estrada, que passaria a ligar Itabira a Vitória, o grupo criou a Itabira Iron Ore Company que recebeu autorização governamental para funcionar em 16 de junho de 1911. O objetivo da Itabira Iron Ore de “explorar, desenvolver, trabalhar e aproveitar certas propriedades de minérios conhecidas por Conceição, Santa Ana e Cauê, situadas no município de Itabira, em Minas Gerais” não foi atingido, tendo a empresa sido objeto de contestação desde a sua criação até o final da década de 1930, quando foi extinta pelo governo Vargas. Grupos nacionalistas, contrários à exploração de nossas jazidas ferríferas por estrangeiros, realizaram uma campanha cerrada que resultou em uma série de questionamentos e exigências, entre as quais, a obrigatoriedade de construção de uma usina siderúrgica que transformasse pelo menos 5% do minério exportado.
Dificuldades para obtenção de recursos durante a Primeira Guerra e durante a crise do final dos anos 1920 e reações nacionalistas lideradas pelo governador de Minas Gerais e, depois, presidente da República, Artur Bernardes fizeram com que a empresa não saísse do papel. A exploração de minério de ferro em larga escala ficou protelada, de fato, até a criação da Companhia Vale do Rio Doce, em 1942, numa outra conjuntura, onde, inclusive, o regime de exploração mineral fora novamente alterado, voltando a ser o de concessão (Código de Minas, Decreto n.º 24.642 de 10 de julho de 1934) e que teve seu caráter nacionalista fortemente acentuado pelo novo Código de Minas promulgado já durante o Estado Novo (Decreto Lei n.º 1985 de 29 de janeiro de 1940). Este novo Código determinava que o direito de pesquisar ou lavrar só poderia ser outorgado a brasileiros, pessoas naturais ou jurídicas, representadas estas por sócios ou acionistas brasileiros.
O novo aparato legal, ao mesmo tempo que eliminava definitivamente as pretensões da Itabira Iron Ore Company, abria as perspectivas para o desenvolvimento da iniciativa estatal que, aproveitando-se do interesse norte-americano pelo fornecimento de matérias-primas estratégicas aqui existentes, conseguiu negociar recursos para a constituição de uma grande usina siderúrgica e para uma empresa de mineração que exportaria minério de ferro aos países aliados, principalmente Estados Unidos e Inglaterra, durante o conflito armado, por preços previamente definidos. Esta negociação, concretizada nos Acordos de Washington, assinados em 3 de março de 1942 , tendo como signatários o Brasil, os Estados Unidos e a Inglaterra, estabeleceu as bases para a montagem de uma companhia de exploração e exportação de minério de ferro e garantiu recursos para a compra de equipamentos para a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), fundada no ano anterior. Com isso, esses dois países garantiam o fornecimento, pelo Brasil, de matérias-primas estratégicas para o esforço bélico contra os países do Eixo.
Por esses acordos resolvia-se o impasse criado em torno da Itabira Iron Ore Company. O governo britânico se obrigava a adquirir e transferir ao governo brasileiro, livres de quaisquer ônus, as jazidas pertencentes à Itabira Iron. O governo norte-americano, se comprometia a fornecer um financiamento, no valor de 14 milhões de dólares, por intermédio do Eximbank, recursos estes que seriam utilizados para a compra, nos Estados Unidos, de todo o equipamento necessário ao reaparelhamento da mina, da Estrada de Ferro Vitória a Minas e do porto de Vitória, de forma que ficasse assegurada a produção e exportação de 1,5 milhão de toneladas/ano de minério de ferro, a serem compradas, em partes iguais, pelos dois países por um prazo de três anos e a um preço bastante inferior ao do mercado. Este contrato trienal poderia ser renovado até o fim da guerra. Findo o conflito, e o último contrato trienal, os dois países ainda manteriam o direito de aquisição do minério, já então a preços de mercado livre.
Com base nessas cláusulas dos acordos, o presidente Getúlio Vargas fundou a Companhia Vale do Rio Doce pelo Decreto-Lei n.º 4352, de 1º de junho de 1942. Sociedade anônima de economia mista, com um capital de 200 mil contos (110 mil contos em ações ordinárias subscritas pelo Tesouro Nacional e 90 mil contos em ações preferenciais subscritas pelo Tesouro, Institutos, Caixas de Previdência e a Caixa Econômica Federal), a nova empresa incorporou a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia S.A., que havia absorvido a EFVM, a Companhia Itabira de Mineração S.A. (ainda em organização) e as jazidas de minério de ferro até então pertencentes à Itabira Iron. Empresa controlada pela União, a CVRD não detinha o monopólio da exploração do minério de ferro no Brasil.
Além das atividades de mineração, a CVRD deveria explorar o tráfego da Estrada de Ferro Vitória a Minas e promover o desenvolvimento da região do vale do Rio Doce com recursos provenientes de um fundo originário de uma parcela dos lucros líquidos obtidos pela empresa. Sua face pública desdobrava-se, portanto, na percepção de que seria preciso promover o desenvolvimento da região do Rio Doce mediante, principalmente, o uso da ferrovia para transporte de passageiros e outras cargas além do minério. A criação da CVRD representava, também, um esforço do governo brasileiro, aproveitando a conjuntura da Segunda Guerra Mundial, para aumentar a produção mineral do país, até então bastante incipiente e integralmente a cargo da iniciativa privada.
OS PRIMEIROS TEMPOS
As primeiras administrações da CVRD (Israel Pinheiro, 1942-1946 e Dermeval José Pimenta, 1946-1951) preocuparam-se, principalmente, com a montagem do complexo mina-ferrovia-porto de forma a atender a meta de exportação prevista. Vencendo grandes dificuldades, agravadas com o fim do conflito e a renúncia da Inglaterra e Estados Unidos de renovar os contratos, o que deixava a companhia sem perspectivas de mercado a curto e médio prazos, a CVRD teve seus esforços bem sucedidos, atingindo em 1951 a meta inicial de exportação de 1,5 milhão de toneladas de minério de ferro. A conquista da autonomia administrativa foi outra luta do período e foi obtida quando a Companhia conseguiu a retirada dos norte-americanos, representantes do Eximbank na diretoria da empresa, e a confirmação das atribuições e responsabilidade do presidente da empresa como gerente maior na organização, devendo prestar contas apenas aos acionistas e ao Presidente da República.
A consolidação da CVRD como empresa exportadora de importância no mercado mundial foi conquistada na década de 1950 quando, administrada por Juraci Magalhães (1951-52) e Francisco de Sá Lessa (1952-61), conseguiu aparelhar o complexo mina-ferrovia-porto de forma que sua operação se desse de forma integrada e contínua, sem excessos ou falta de produção. Uma política de comercialização agressiva conseguiu vencer a pressão dos traders (agentes comerciais que compravam o minério) e obter melhores preços e novos mercados, diminuindo a dependência dos Estados Unidos, seu principal comprador. Obras buscando o aumento da produtividade do sistema operacional e a diversificação dos tipos de minério oferecidos ao mercado, bem como pesquisas visando o aproveitamento de finos e ultrafinos, possibilitaram o incremento de sua produção permitindo que a empresa aceitasse o desafio de atingir a meta de exportar 8 milhões de toneladas de minério de ferro em 1960, prevista no Programa de Metas do governo Juscelino Kubistchek.
A COMPANHIA E OS NOVOS RUMOS PARA O SETOR MINERAL
A década de 1960 configurou-se como um período de redefinição da política de governo para o setor mineral. Em julho de 1960, atendendo a uma antiga reivindicação de técnicos do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e do Conselho Nacional de Minas e Metalurgia (CNMM), Kubitschek promulgou a Lei n.º 3.783 que criou o Ministério das Minas e Energia (MME). A nova pasta, cujas atribuições, em sua maioria, tinham sido vinculadas desde 1930, ao Ministério da Agricultura, foi instalada em 10 de fevereiro de 1961, sendo seu primeiro titular o deputado João Agripino (UDN-PB). Ficaram sob a jurisdição deste ministério as várias empresas de economia mista voltadas para a exploração de recursos energéticos e minerais, inclusive a CVRD.
Criado numa conjuntura fortemente marcada pelo revigoramento de posições nacionalistas, com severas restrições à ação do capital estrangeiro, o ministério redefiniu suas diretrizes a partir de 1964, quando o governo militar, através do ministro das Minas e Energia, Mauro Thibau, criticou o caráter estatizante dos governos anteriores e propôs medidas que facilitassem a participação do capital privado, nacional e internacional, para promover o aumento da produção mineral do país. Para viabilizar esses objetivos foi realizada a revisão do Código de Minas de 1940, ainda em vigor, e extremamente restritivo à presença e participação do capital externo na atividade de mineração.
Dessa revisão resultou a elaboração de uma nova base legal para o setor. Sancionado pelo Decreto-Lei n.º 227, de 28 de fevereiro de 1967, o novo Código de Mineração mantinha o regime de concessão, mas, buscando estimular a pesquisa e a diversificação da exploração dos recursos minerais, transferiu o direito de prioridade de pesquisa do proprietário do solo para o primeiro requerente de autorização de pesquisa, cabendo ao proprietário, nesses casos, uma indenização. As concessões passaram a poder ser outorgadas a brasileiros ou empresas sediadas no Brasil, abrindo possibilidades para o capital externo investir na mineração.
Como instrumento para gerar recursos que permitissem ao governo implementar um amplo programa de reconhecimento do potencial mineral brasileiro foi criado, pela Lei n.º 4425, de 8 de outubro de 1964, o Imposto Único sobre Minerais (IUM) que incidia sobre toda e qualquer atividade de produção, comércio, consumo e exportação de substâncias minerais ou fósseis, excetuando-se os combustíveis líquidos ou gasosos. Esse imposto revelava a tendência centralizadora dos novo governo que buscava acabar com o grande número de leis estaduais e mobilizar recursos a partir da própria atividade econômica para expandi-la.
Os princípios gerais da nova política de mineração foram confirmados no Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), que definiu a estratégia da administração Castelo Branco. O PAEG atribuiu ao programa de investimentos da Companhia Vale do Rio Doce recursos da ordem de 87,3 milhões de dólares, o que possibilitou que a companhia elevasse as exportações brasileiras de minério de ferro para 20 milhões de toneladas a partir de 1967. Com isso, a CVRD, presidida por Eliezer Batista da Silva (1961-64), Paulo José de Lima Vieira (1964), Oscar de Oliveira (1965-67) e Antônio Dias Leite Júnior (1967-68) conseguiu efetivamente afirmar-se como empresa exportadora de padrão internacional no mercado transoceânico de minério de ferro. Em 1967, passou a figurar entre as seis maiores empresas exportadoras do mundo, comercializando 26 tipos de minério.
O mercado para seus produtos se diversificava, numa estratégia eficiente que buscava superar problemas que pudessem vir a surgir pela dependência da empresa da exportação de um único produto: o minério de ferro. A importância relativa da participação dos Estados Unidos diminuiu, crescendo a participação dos países europeus, principalmente a Alemanha Ocidental, incluindo também países do bloco socialista como Hungria, Iugoslávia, Romênia e Polônia. O Japão, que se tornaria um dos seus principais clientes e sócios, continuava a crescer em importância enquanto mercado, apesar da distância geográfica.
Foi nessa época que a companhia iniciou a política de garantia de “mercados cativos” através da assinatura de contratos de longo prazo que se transformaram em instrumentos fundamentais para sua expansão. Para garantir o atendimento à cláusulas contratuais, a CVRD criou a subsidiária Vale do Rio Doce Navegação S.A. (DOCENAVE) com a qual pôde dar atendimento direto aos consumidores, reduzindo os custos e contrabalançando a queda dos preços. Para utilizar navios de maior calado, a CVRD construiu o porto de Tubarão, próximo à Vitória, inaugurado em 1966 e que foi mais um grande passo na modernização de sua estrutura portuária. A empresa criou também subsidiárias para realizar operações diretas com os consumidores no exterior, sem qualquer tipo de intermediação: a Itabira Eisenerz GmbH, em Dusseldorf, na Alemanha (1964) e a Itabira International & CO Ltd- Itaco, para atuar nos mercados norte-americano e canadense (1966).
Antecipando-se à exaustão de sua principal mina, Cauê, a CVRD implementou um programa de expansão de reservas de minério de ferro através de arrendamentos e aquisições de novas jazidas, o que lhe garantiu o controle sobre um potencial de cerca de 19,8 bilhões de toneladas de minério de ferro com teor médio de 46 % de ferro, na região de Minas Gerais. Os bons resultados de suas operações comerciais, que incluíam agora a venda de pellets (produto obtido a partir do beneficiamento dos minérios finos e ultrafinos que antes eram rejeito de mina) agora utilizados em larga escala nas siderúrgicas, garantindo lucros a partir de materiais que antes davam prejuízo, propiciaram a obtenção de recursos junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o processo de expansão da empresa.
A década de 1960 foi marcada também, pela descoberta, em 1967, das jazidas no sul do Pará, na serra de Carajás que se revelaram os mais significativos depósitos ferríferos do país, incluindo uma ampla gama de outros minerais.
A DIVERSIFICAÇÃO DAS ATIVIDADES
Seguindo orientação governamental, a CVRD, nos anos 1970, desenvolveu uma política de diversificação de atividades que a levou a se engajar em projetos para a produção de bauxita/alumina/alumínio, manganês, titânio, fosfato/fertilizantes, madeira/celulose, pelotas e ferritas magnéticas num processo que incluía tanto a horizontalização como a verticalização das suas atividades e que acabou transformando a companhia num grande conglomerado empresarial estatal, abrangendo mais de duas dezenas de empresas controladas e coligadas.
Presidida por Raymundo Pereira Mascarenhas (1969-74), Fernando Roquette Reis (1974-78) e Joel Mendes Rennó (1978-79), a CVRD atingiu no período a posição de maior exportadora de minério de ferro do mundo, respondendo por 16 % do comércio transoceânico do produto em 1975. Entre 1970 e 1975, a companhia conseguiu resultados muito positivos, tendo o volume de minério exportado crescido 116% e o preço médio da tonelada subido 77%, o que implicou num aumento da receita de exportações da ordem de 285%, tornando-a a maior geradora de divisas do país.
Neste período, foi equacionado o Projeto Ferro Carajás para a exploração das reservas da ordem de 18 bilhões de toneladas de ferro no sul do Pará, após a CVRD ter assumido o controle da Amazônia Mineração S.A. (AMZA), constituída juntamente com a Companhia Meridional de Mineração, subsidiária da United States Steel, que detinha os direitos de exploração das reservas. A exploração das jazidas ferríferas de Carajás provocou muita polêmica e reações. Polêmica em relação à opção pela construção de uma ferrovia- Estrada de Ferro Carajás ligando o sul do Pará a São Luís no Maranhão, onde foi construído o porto da Ponta da Madeira para o escoamento da produção. Interesses voltados para a utilização da via fluvial e do porto de Belém contestaram a decisão mas prevaleceram os critérios técnicos uma vez que as condições de navegabilidade do rio eram muito variáveis. Reações também surgiram por parte de ambientalistas que temiam o impacto que a atividade de extração mineral provocaria na região.
A FRENTE AMAZÔNICA: O PROJETO CARAJÁS
Vencendo as resistências, a CVRD conseguiu implantar o seu segundo complexo mina-ferrovia-porto, em plena região amazônica e durante um período de dificuldades, em que os efeitos da crise do petróleo se faziam sentir em toda a economia mundial. Durante o governo João Figueiredo e sob a administração de Eliezer Batista da Silva (1979-1986), o Projeto Ferro Carajás foi o empreendimento prioritário da CVRD, tendo sido inaugurado em 1985. Em 1986 foram produzidas 14,1 milhões de toneladas de granulados e sinter-feed, atingindo em 1988 a produção de 30 milhões de toneladas.
Com a entrada em operação de Carajás, a CVRD passou a contar com dois sistemas operacionais para a extração, beneficiamento, transporte e embarque de minério de ferro: o Sistema Sul, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e o Sistema Norte, nos estados do Pará e Maranhão.
O Sistema Sul, origem das atividades da companhia, compreendia as minas da região de Itabira (Cauê, Conceição, Dois Córregos), Brucutu, Caraça, Timbopeba e Capanema, localizadas em Minas Gerais, com capacidade de produção de 70 milhões de toneladas/ano; a Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) com 898 km de extensão) e o Terminal Marítimo de Tubarão, situado em Vitória, no Espírito Santo. Ainda como parte deste sistema, a CVRD contava com seis usinas de pelotização, sendo duas próprias e quatro em associação com sócios estrangeiros, localizadas em Tubarão com capacidade instalada para 19 milhões de toneladas de pelotas/ano.
O Sistema Norte abrangia as jazidas situadas na Serra dos Carajás, no sul do Pará, a Estrada de Ferro Carajás (EFC) com 892 km de extensão e o Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís, no Maranhão. Possuía capacidade instalada para produção de 44 milhões de toneladas/ano.
Um dos compromissos assumidos pela companhia e pelo governo brasileiro com o Banco Mundial para a implementação do Projeto Ferro-Carajás consistiu na emissão de debêntures conversíveis em ações da CVRD em valor equivalente a US$ 250 milhões de dólares. Essa questão só veio a público em 1984 em depoimento prestado por dirigentes da CVRD à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre as empresas estatais. Segundo o senador Severo Gomes (PMDB-SP), autor do requerimento para instauração da CPI, a conversão das debêntures foi realizada em condições privilegiadas, caracterizando-se uma grave lesão ao patrimônio público. O senador paulista chegou a denunciar o risco iminente de privatização da companhia, chamando a atenção para a alteração substantiva na estrutura acionária da empresa, ocasionada pela operação. De fato, a participação do Tesouro no capital votante da Vale caiu de 80% no início do governo João Figueiredo para 50,8% em maio de 1984. As denúncias de Severo Gomes foram publicadas no livro Companhia Vale do Rio Doce, uma investigação truncada.
Durante a década de 1980, a CVRD manteve a política de diversificação de atividades. A produção de ouro começou em 1984, crescendo em ritmo acelerado graças aos investimentos realizados sobretudo nas minas Fazenda Brasileiro, no nordeste da Bahia, e Igarapé Bahia, na região de Carajás. A empresa tornou-se a maior produtora individual de ouro na América Latina ao atingir a marca de 12 toneladas em 1993. A produção de manganês experimentou um crescimento notável em função sobretudo da exploração da mina de Azul, na serra de Carajás, iniciada em 1983. A Vale já vinha atuando no segmento de manganês por intermédio da coligada Urucum Mineração, constituída em 1976 para explorar as jazidas ferro-manganesíferas da serra de Urucum, localizada no Mato Grosso do Sul.
A companhia desenvolveu ainda projetos para produção de ferro-ligas e ferro gusa, com objetivo de agregar valor aos produtos comercializados e ampliar mercados. A iniciativa mais importante foi a constituição da coligada Eletrovale em 1984 em parceria com os grupos japoneses Kawasaki Steel e Mitsubishi Corporation e a empresa nacional Metalur. Em 1986, a coligada começou a produzir ferro-silício na usina de Nova Era, em Minas Gerais. A CVRD também firmou presença no parque siderúrgico norte-americano, passando a operar em 1984 a California Steel Industries (CSI), em Los Angeles, em associação com a Kawasaki Steel. A CSI lamina placas importadas da Companhia Siderúrgica Tubarão para a produção de bobinas, chapas e tubos.
A cadeia de produção de alumínio da Vale foi instalada principalmente no estado do Pará, onde estão as maiores reservas de bauxita do país. A única exceção ficou por conta da Vale Sul Alumínio que construiu uma fábrica de alumínio primário no subúrbio carioca de Santa Cruz, inaugurada em 1982. Todos os projetos de bauxita, alumina e alumínio foram implementados em associação com o capital estrangeiro. A Mineração Rio do Norte (MRN) iniciou a extração de bauxita do rio Trombetas em 1979. O maior investimento na produção de alumínio foi realizado em associação com os japoneses por intermédio da Alumínio Brasileiro (Albrás). A fábrica da Albrás em Barcarena entrou em operação em 1986, utilizando a energia da hidrelétrica de Tucuruí. A Vale também projetou a implantação de uma fábrica de alumina em Barcarena, por intermédio da coligada Alumina do Norte do Brasil (Alunorte). O projeto sofreu uma série de marchas e contramarchas, sendo viabilizado apenas na década seguinte.
Presidida por Raymundo Pereira Mascarenhas (1986-87), Agripino Abranches Vianna (1987-90), Wilson Nélio Brumer (1990-91) e Francisco José Schettino (1992-96), a companhia atravessou, na segunda metade dos anos 80 e início dos anos 90, um período de dificuldades em decorrência da retração da economia mundial e da estabilização da produção siderúrgica mundial. A empresa desenvolveu um programa de redução de custos e aumento da produtividade, que implicou em redução expressiva do seu quadro de pessoal, implantando, também o gerenciamento de qualidade total a partir de agostode1991.
Para abrir novas frentes no setor mineral, a CVRD desenvolveu um amplo programa de pesquisa tecnológica responsável pela produção de novos tipos de produtos que buscam atender às exigências do mercado. A pesquisa geológica, realizada por sua subsidiária Docegeo absorveu recursos da ordem de US$ 200 milhões entre 1979 e 1990, desempenhando importante papel na localização e identificação de novas reservas e minerais, além de contribuir para o sucesso da política de diversificação.
INCLUSÃO NO PND
O processo de privatização das grandes empresas públicas nacionais tornou-se peça-chave da política econômica brasileira a partir da criação do Programa Nacional de Desestatização (PND) pelo governo Fernando Collor, sendo acelerado no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso com a venda da CVRD e outras companhias de grande porte, notadamente nas áreas de energia elétrica e telecomunicações.
A Vale permaneceu fora da agenda das privatizações durante os governos de Collor e Itamar Franco. Instituído pela Lei 8.031 em abril de 1990, o PND contemplou prioritariamente a venda dos ativos públicos nas áreas de siderurgia, petroquímica e fertilizantes. Collor pretendia ir mais longe e chegou a agendar a privatização de empresas de energia elétrica e de transportes, mas não manifestou a mesma intenção em relação à Vale, nem alimentou o debate sobre o tema, concedendo inclusive maior liberdade de atuação à mineradora. Com efeito, em junho de 1992, a Vale inaugurou a prática da assinatura dos contratos de gestão com a União. Tais contratos isentaram certas atividades de autorização prévia do governo, estabelecendo metas anuais para as áreas de produção, vendas, desempenho econômico e financeiro, gerenciamento de dívidas e recursos humanos. Tratava-se de uma saída mais “inteligente” que a privatização, conforme declarou em setembro de 1991 o presidente da companhia, Wilson Brumer, em sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o atraso tecnológico no setor mineral.
De imediato, o programa de privatização de Collor permitiu à Vale ampliar sua participação minoritária na Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais (Usiminas) e na Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST). Principal fornecedora do minério de ferro e escoadora da produção da Usiminas, a Vale arrebatou 14,7% das ações da siderúrgica, leiloada em outubro de 1991, alcançando o teto de 15% permitido para as empresas estatais. Foi uma das principais vencedoras do leilão, juntamente com o consórcio Bozzano-Simonsen e um grupo de entidades de previdência fechada que incluía o fundo de pensão de seus empregados.
A associação de interesses entre a Vale e os sócios estrangeiros da CST, notadamente a Kawasaki Steel, teve um peso determinante em seu interesse pela aquisição da siderúrgica. No leilão ocorrido em julho de 1992, a Vale aliou-se informalmente com o Banco Bozzano Simonsen, passando a deter 14,9% do capital votante da CST. Ainda em 1992, a companhia participou de mais dois leilões de privatização, aumentando sua participação acionária na Fosfértil e adquirindo 5% do capital da empresa argentina Propulsion Siderurgica (Siderar).
Prosseguindo em sua política de verticalização e integração de atividades, tornou-se sócia de mais duas siderúrgicas privatizadas no governo Itamar Franco. Em abril de 1993, participou do leilão da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), adquirindo 9,1% de seu capital. A maior produtora de aço do país logo passaria ao comando do empresário Benjamin Steinbruch, dirigente do grupo têxtil Vicunha, integrante do consórcio que arrematou seu controle acionário. Em seguida, a mineradora integrou o consórcio vencedor do leilão da Aço Minas Gerais (Açominas), realizado em outubro do mesmo ano, adquirindo 4,8% do seu capital total.
A Vale garantiu assim uma posição expressiva, ainda que minoritária, em empresas siderúrgicas com presença de mercado dominante em seus respectivos setores. Também ampliou investimentos na indústria de ferro-ligas, decidindo apoiar em 1992, por razões estratégicas, a instalação de uma usina de silício-maganês e ferro-manganês em Grenoble, na França, projetada pela Société Européenne D’Alliage pour la Siderurgie (SEAS). A Vale contribuiu inicialmente com 35% do capital da empresa, assegurando nova colocação para seus minérios no exterior.
Embora seu governo tenha dado continuidade ao PND, vendendo ao todo 16 empresas, o presidente Itamar Franco refreou em certa medida a disposição privatista da equipe econômica comandada por Fernando Henrique Cardoso, nomeado ministro da Fazenda em maio de 1993. Considerada um símbolo da eficiência estatal, a Vale permaneceu fora do escopo do PND.
Em outubro de 1994, embalado pelo sucesso do programa de estabilização econômica, conhecido como Plano Real, Fernando Henrique venceu as eleições para a presidência da República, com apoio de Itamar e de uma ampla coalizão de forças políticas. Durante a campanha, o ex-ministro defendeu o programa de privatizações como um dos principais instrumentos de reforma do Estado, mas não incluiu a venda da CVRD entre os compromissos de seu programa de governo, denominado “Mãos à obra, Brasil”. Na primeira entrevista como presidente eleito, manifestou dúvida quanto à venda da Vale durante seu mandato.
Fernando Henrique tomou posse no governo em janeiro de 1995, conduzindo em ritmo mais acelerado o programa de abertura da economia ao mercado internacional e o processo de privatização das empresas estatais. De imediato, o presidente encaminhou ao Congresso um conjunto de emendas à Constituição de 1988, propondo a quebra de monopólios estatais e o fim das restrições para atuação de empresas estrangeiras no país. Em maio, a Câmara dos Deputados aprovou a emenda constitucional que abriu ao capital estrangeiro o acesso à atividade mineral em igualdade de condições com as empresas nacionais. Referendada pelo Senado, a emenda ao artigo 171 foi sancionada pelo presidente em agosto de 1995. Segundo os legisladores, essa modificação tinha em vista potencializar investimentos das grandes mineradoras mundiais, várias das quais já atuavam no país. Vale registrar que, mesmo sem as restrições de 1988, essas empresas sempre tiveram presença menos relevante que as nacionais.
O primeiro passo para a privatização da Vale foi dado na reunião de 6 de março de 1995 do Conselho Nacional de Desestatização (CND), órgão de decisão superior do PND, integrado por ministros de Estado e diretamente subordinado ao presidente da República. Na ocasião, o conselho aprovou a imediata elaboração das regras para contratação de consultorias, tendo em vista a definição do modelo de privatização da estatal. A tarefa ficou ao encargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pelo gerenciamento da venda das empresas incluídas no PND. Segundo a imprensa, personalidades de influência junto ao presidente, como o ministro Sérgio Mota (Comunicações), manifestaram dúvida sobre a conveniência da alienação da empresa. Entretanto, o ponto de vista dos ministros Pedro Malan (Fazenda) e José Serra (Planejamento) acabou prevalecendo.
Em 1º de junho de 1995, Fernando Henrique sancionou a inclusão da Vale no PND, assinando o Decreto n.º 1.510, alterado no final do mês pelo Decreto 1.539.
A parte II desta história, continuará em outro artigo. Bibliografia FGVCPDOc - Edição Redação CULTZONE
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