A publicação dos inéditos do escritor francês, cuja obra influenciou transversalmente ciências humanas, arte e literatura, sobretudo durante os anos 60 e 70 do século XX, levou o seu editor e amigo François Whal a criar alguma polémica porque entende que os textos não seriam do agrado do próprio Barthes, que classifica de "muito cuidadoso".
Contudo, os argumentos de Whal não surtiram efeito e os livros vão mesmo sair. "Carnets du Voyage en Chine" é constituído por notas escritas quando de uma viagem efectuada em Abril de 1974 por escritores e intelectuais franceses à China, numa época em que existia algum entusiasmo pela Revolução Cultural chinesa ainda em curso.
Mas, durante a viagem, partilhada com Philippe Sollers, Marcelin Pleynet e pelo próprio François Whal, Roland Barthes evitou o contágio dos amigos, não se deixando impressionar pelas "conquistas revolucionárias" da China.
Assim, ao contrário do que acontecera no Japão, que lhe inspirou "O crepúsculo dos signos", ou em Marrocos, de onde trouxe "Incidentes", a China não se revelou fonte de inspiração ou de fascínio para o escritor, que se limitou a construir um diário de impressões.
Pelo contrário, deixa-o indiferente a insipidez que detecta no imenso continente. Curiosamente, François Julien, um ilustre sinólogo, haveria de escrever duas décadas mais tarde um "Elogio da Insipidez", denotando este conceito como fulcral para o entendimento da cultura chinesa.
Nos seus "Carnets", parcialmente publicados na edição de Janeiro da "Magazine Litteraire", é também o próprio regime que parece, nas fímbrias das suas notas, arrepiar Roland Barthes, que entendia mal o que lhe mostravam os guias como sendo conquistas populares.
Finalmente, "Carnets du Voyage en Chine" tem o interesse de ter sido escrito como um conjunto de notas ordenadas cronologicamente, nas quais perpassa um olhar distanciado sobre uma China que já não existe, mas que rumoreja sob os actuais sucessos do capitalismo.
Já "Journal du Deuil" mostrará um registo totalmente diferente, na medida em que se trata de escritos produzidos na sequência da morte da mãe do escritor, que enfrentou com dificuldade o evento.
Roland Barthes registava em fichas de leitura as suas impressões, emoções e sentimentos, sendo as que datam de 26 de Outubro de 1977, dia seguinte à morte da mãe, a 15 de Setembro de 1979, um conjunto de textos, em 330 fichas, por onde perpassa a vivência de um luto insuportável.
Roland Barthes faleceu em 1980, atropelado por um veículo de transporte de carga que, ironicamente, pertencia a uma firma cuja publicidade o escritor criticara nas suas "Mitologias".
CMJ.
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