É com isso que os estúdios de Hollywood costumam sonhar. Um dos melhores atores jovens de nossa era apresenta desempenho espantoso em um dos filmes de maior bilheteria em todos os tempos, e é indicado ao Oscar por seu trabalho.
Só há um problema: um ano e um dia antes de ser indicado ao Oscar de melhor coadjuvante por Batman: O Cavaleiro das Trevas, Heath Ledger foi encontrado morto em um apartamento de Nova York. E como fazer campanha por um Oscar para um ator que já não está entre nós?
Com muita cautela. A Warner Bros. vem conseguindo respeitar o limite entre elogio póstumo e exploração, lembrando ao público e aos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas que um dos maiores desempenhos de 2008 foi o último da carreira de Ledger, mas sem criar a impressão de que o estúdio pretende faturar com isso.
Há uma certa graça institucional em ação. Muitas campanhas de promoção de candidatos ao Oscar são realizadas não pela qualidade dos filmes, mas porque a presença de astros assim requer - vide Seven Pounds. Ledger, porém, já não precisa de nada deste mundo. Uma vitória não estimulará sua carreira ou elevará seu cachê.
O filme se saiu maravilhosamente bem nos cinemas (US$ 532 milhões até o momento, e continua em cartaz). Um prêmio a mais não deve alterar essa matemática. Mas ainda assim defender a candidatura de Ledger parece correto. Já que Ledger não interpretará novos papéis, precisamos tratar com carinho o trabalho que ele deixou.
A Warner Bros. abriu a temporada do Oscar com grandes esperanças quando a Batman: O Cavaleiro das Trevas. O estúdio e muitos dos observadores da disputa acreditavam que o trabalho, continuação de Batman Begins, de 2005, tinha chance legítima de indicação ao prêmio de melhor filme, um feito raro para uma história de ação inspirada por quadrinhos.
Batman: O Cavaleiro das Trevas é mais que um filme para acompanhar as pipocas. Com seu estilo visual noir e visão sarcástica das motivações humanas, muitos críticos o elogiaram e elevaram o trabalho a um patamar superior ao de uma simples história de ação.
O novo Batman foi dirigido por Christopher Nolan, o britânico que concebeu Memento e The Prestige. Mas a realização singular que elevou Batman: O Cavaleiro das Trevas a um novo patamar foi o glorioso desempenho de Ledger como o Coringa.
Será errado que contemplemos, rememoremos, lamentemos? De forma alguma. A morte de Ledger, que causou grande pesar público, foi claramente um momento importante na cultura popular. O estúdio precisava navegar por todos esses torvelinhos para lançar o filme, e teve de superá-los do novo no ciclo do Oscar.
Quando as indicações foram anunciadas, as aspirações mais amplas do estúdio não foram realizadas - não houve indicações para melhor filme ou melhor diretor -, mas ainda assim Batman: O Cavaleiro das Trevas amealhou oito indicações, entre as quais a de Ledger.
Isso representa tanto uma oportunidade quanto alguns problemas para o estúdio. A morte de Ledger decerto despertou simpatia e oferece aos seus colegas a oportunidade de homenageá-lo. Mas representou uma situação diferente de ocasiões precedentes em que a Academia votou sobre o trabalho de alguém postumamente.
Peter Finch, que interpretou Howard Beale em The Network, estava em viagem de promoção do filme em 1977 quando sofreu um ataque cardíaco e morreu. Ele se tornou o primeiro e único ganhador de um Oscar póstumo como ator. A morte de Ledger por uma overdose acidental de drogas foi um acontecimento terrível transcorrido ainda antes da estréia do filme.
Em nível mais prático, isso significou que o ator não pôde participar da promoção. Eu acompanhei o circuito do Oscar em 2006, e vi Ledger promovendo Brokeback Mountain, que era considerado favorito para o prêmio de melhor filme, e sou testemunha de que promoção não era seu melhor trabalho.
Um jovem polido e agradável, Ledger não tinha muito apreço pelo papo furado das festas e eventos, ainda que tivesse sido indicado ao prêmio de melhor ator por aquele filme. No caso de Batman: O Cavaleiro das Trevas, o estúdio não mencionou a morte de Ledger em seu material promocional e preferiu destacar cenas do ator no filme.
O espectro de Ledger adquiriu proporções vastas nesta temporada de prêmio. O desempenho dele foi laureado com vitórias no Globo de Ouro e nos prêmios da Screen Actors Guild. E momentos que seriam dedicados normalmente a agradecer mães e agentes se tornaram solenes e reverentes como uma cerimônia fúnebre no cemitério nacional em Arlington.
"Todos nós que trabalhamos com Heath no filme aceitamos o prêmio com mistura terrível de saudade e imenso orgulho", disse Nolan, que recebeu o prêmio em nome de Ledger na cerimônia do Globo de Ouro, acrescentando que "sempre sentiremos sua falta, mas ele não será esquecido".
A abordagem cautelosa da Warner Bros. - comprovada pelo fato de que a empresa não respondeu a uma tentativa de contato sobre a campanha- serviu bem ao ator e ao momento. Mesmo quando vivo, Ledger mais parecia um fantasma, no que tange ao aspecto sensacionalista do mundo do entretenimento. Em 22 de fevereiro, quando os prêmios forem distribuídos, ele não estará no Kodak Theater, mas sua presença ainda assim será imensa.
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